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NO FUNDO DOS RIOS

OU ONDE NASCEM TODAS AS COISAS

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audiodescrição

Desde sempre a espiritualidade se manifesta como um tecido vivo no território amazônico. Nos animais, plantas, rios, em seres não humanos e humanos. Os povos originários cultivaram relações espirituais profundamente conectadas à natureza, aos ciclos da vida e às cosmologias únicas de cada etnia, guiadas pelas energias das encantarias.

Com a colonização e o tráfico negreiro, vindos principalmente da região da Costa da Mina, região da África Ocidental que hoje abrange Gana, Benim, Nigéria e Togo, africanos desembargaram em portos do Grão-Pará e Maranhão, onde sofreram as dores da escravização. Ao chegar nestas terras, contudo, não vieram sozinhos, trouxeram consigo suas divindades, que lhes davam esperança.

Neste momento, as divindades africanas manifestavam-se apenas entre os próprios africanos. O Vodun Verequete foi o primeiro a perceber que tal divisão era negativa para esta nova consciência e configuração de mundo. Ele visita casa de caboclos encantados e reconhece essas entidades em pé de igualdade. Propõe, então, alianças para manter unido todos os povos.

Nesse contexto, a partir de pesquisas bibliográficas, experiências pessoais, encontros e deslocamentos, tenho pesquisado sobre a ancestralidade africana e como ela se apresenta na região amazônica. Assim, iniciei pesquisa que envolve a união de símbolos Adinkra, que são um conjunto de símbolos pertencente ao povo Ashanti, que faz parte do grupo de povos Akan, os quais representam conceitos e saberes sociais, espirituais e ancestrais.  Com eles, imagino cenários em que relaciono estes símbolos a contextos amazônicos. São cenas em que crio, então, esta presença afro-indígena na região, regidas pelas energias das encantarias, que está presente em tudo: nas paisagens, nos ritmos, nos costumes, no cotidiano, nas lutas, nas comidas, nos objetos, nos frutos...

Esta pesquisa teve início durante residência artística na Citè Internationale des Arts, em Paris, onde me vi influenciado por encontros, conversas, reconhecimentos, semelhanças e diferenças de uma África em diáspora. Um destes encontros foi em um mercado de pulgas onde o comerciante, natural de Senegal, me apresentou vários itens. Logo me chamou atenção um tecido de tom amarelo terroso e estampado. Ele me disse que era uma peça única, vinda de Gana. O tecido ficou guardado e só voltei a vê-lo durante o desenvolvimento deste trabalho.

Este projeto parte de um desejo pessoal de conhecer mais sobre meu Estado, o Pará, indo ao encontro de algumas localidades pela primeira vez. Mas também era a forma de aprofundar a pesquisa: vivenciando. Assim, com apoio do Edital de Artes Visuais – Lei Paulo Gustavo, fui a Soure/Marajó e a Santarém/Alter do Chão.

No Marajó, as cores que eu estava utilizando me fizeram mais sentido. As águas e o que delas provém.  No livro O Mundo Místico Dos Caruanas da Ilha do Marajó, a pajé Zeneida Lima conta que “o mundo dos Encantados está no fundo das águas, porque delas nasceram todas as coisas”. De onde nasceram e de onde, acredito, ainda nascem.

Em Santarém, de onde provém boa parte de minha família, realizo o vídeo que antecede as pinturas. A relação indígena e africana se inicia no mundo espiritual, depois chega ao terreno.

É assim que chego aos Adinkras, símbolos do povo Akan, que habitam principalmente o atual país Gana, que é de onde provem também o tecido que adquiri. Traço paralelo da origem de ambos ao Tambor de Mina, principal religiosidade de matriz africana na Amazônia, cujas fundadoras também compartilham esta origem, pois o termo "mina" refere-se aos escravizados negros que vieram do forte de São Jorge da Mina, na atual República de Gana.

É assim, permeadas pelas encantarias, que surgem as figuras nas pinturas, os Adinkras não como algo a parte, mas integrado ao que já existia na região amazônica, junto à pajelança e seus mistérios. Os Adinkras e as cosmologias indígenas compartilham a valorização da espiritualidade, ancestralidade e natureza. Ambos incorporam uma visão do mundo em que o sagrado permeia o cotidiano e os elementos naturais.

Aqui é um site – processo, onde apresento as pinturas e as referências para sua criação. Elas surgem de forma não linear, vão desde os elementos naturais até atravessamentos ao longo da história onde este afro-ameríndio se apresenta.

Contemplamos os símbolos e seus saberes.

Com eles aprendemos, também ensinamos.

Com eles, confluímos.

Ananse
Sankofa
Akofena
Nsoromma
Onyakopon Ne Yen Ntena
Mate Masie
Abe Dua
Osram ne nsoromma
Hwemudua
Nkyinkyim

clique na imagem para ver ficha técnica

Um ícone redondo com lâminas largas e arredondadas, disposto em formato circular, mostrando um design simples e funcional. O centro é preto e as lâminas são desenhadas em um estilo minimalista. A imagem é em fundo preto, destacando o contraste e a forma do símbolo.

Ananse ntontan

O símbolo é a estilização de uma teia de aranha e carrega os significados de sabedoria, de criatividade e das complexidades da vida.

Símbolo que se assemelha a uma hélice de ventilador suspenso em um fundo de cores quentes, em tons predominantemente amarelo com um efeito de queda d'água suave. O símbolo apresenta detalhes escuros e um design simples, contrastando com o fundo laranja e dourado.
Ventilador pendurado em uma corda amarela, com lâminas em plástico claro, contra um fundo de lençol branco estendido. Ao fundo, é possível ver uma parede com tinta descascando e uma janela com uma moldura simples. O ventilador está conectado a um cabo elétrico que desce em direção ao chão.
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Sankofa

É representado como um pássaro que voa para frente, mas mantém a cabeça voltada para trás e carrega em seu bico um ovo. O símbolo nos ensina sobre retornar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro.

Um garça branca majestosa está em uma estrutura metálica, com um fundo que apresenta um edifício de arquitetura singular, caracterizado por uma torre pontiaguda e janelas arqueadas. O céu azul claro, salpicado de nuvens brancas, complementa a cena tranquila e vibrante, enquanto o ambiente ao redor sugere um local movimentado, possivelmente um mercado ou área portuária.
Uma pintura abstrata em tons de laranja e marrom, apresentando uma forma de um pássaro no centro, com o bico curvado para trás, que parece girar ou se mover. O fundo é suave e texturizado, com leves pinceladas que criam uma sensação de profundidade. Ao fundo, há silhuetas de barcos e estruturas que sugerem uma paisagem marítima ao entardecer. A composição evoca uma atmosfera tranquila e contemplativa, destacando o contraste entre a forma circular e o ambiente ao redor.
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Akofena

símbolo da coragem, valor e heroísmo. aqui, invoca a refletir sobre como o pensamento cabano ainda existe hoje na região amazônica.

Um homem em pé, com um chapéu de palha, ocupa o centro da imagem, que apresenta um fundo de tons quentes, como laranja e amarelo. Ele segura uma figura em forma de arma, como duas lâminas ou foices que se cruzam, uma em cada mão A imagem tem um aspecto impressionista, com pinceladas soltas que criam uma sensação de movimento e profundidade. Ao fundo, pode-se ver silhuetas indistintas de estruturas, possivelmente casas, que se misturam com a paleta de cores quentes, contribuindo para a atmosfera etérea e sonhadora da composição.
Imagem de um ícone de quatro círculo, com um círculo menor dentro de cada um, que lembram olhos olhando para baixo. Traços pretos sobre um fundo branco.

Mate Masie

representa sabedoria, conhecimento, prudência.

simboliza o provérbio “eu guardo aquilo que ouço”.

Pintura abstrata em tons de amarelo, no centro da composição retrata-se imagens como quatro olhos que se assemelham ao fruto guaraná, com fundo suave que transmite uma sensação de calor e luminosidade, cercadas por texturas e formas orgânicas, sugerindo um ambiente natural e vibrante.
Cachos de sementes de guaraná, com cascas vermelhas e manchas pretas, se destacam entre folhas verdes exuberantes na vegetação tropical. O guaraná é conhecido por suas propriedades energéticas e é amplamente utilizado em bebidas energéticas e suplementos. As sementes são dispostas em grupos, criando um contraste vibrante com o fundo verde, evidenciando a beleza natural da planta.

o guaraná é uma planta nativa da Amazônia, originária da língua indígena sateré-mawé, a palavra waraná significa "a fonte de sabedoria".

Árvore estilizada com folhas onduladas e um tronco robusto, representando um design artístico minimalista.

Abe Dua

é um símbolo de riqueza, engenhosidade e autossuficiência. 

a palmeira é um símbolo de engenhosidade porque muitos 

produtos diversos emanam dessa única árvore: vinho, óleo, vassouras...

Árvore com raízes expostas em um ambiente de praia, com tronco alto e folhas verdes no topo, contra um céu claro e algumas nuvens. As raízes estão emaranhadas e parcialmente cobertas por areia. Ao fundo, pode-se ver uma vegetação densa e uma estrutura simples, possivelmente uma cabana.
Uma pintura de uma árvore com raízes visíveis, destacando seu tronco esguio e folhagem estilizada, em tons de amarelo e laranja. O fundo apresenta uma textura suave e quente, contribuindo para a atmosfera vibrante da obra.
Mangue com raízes expostas, formando um emaranhado denso, cercado por vegetação verde. O solo ao redor é arenoso, com pequenas manchas de sujeira e detritos visíveis, refletindo um ecossistema costeiro.
Logo estilizado em preto e branco, apresentando uma forma que combina elementos retangulares e curvas.

Onyakopon Ne Yen Ntena

 

Que Deus esteja conosco

Uma multidão de pessoas em um evento, com destaque para uma pessoa segurando uma maquete de uma casa amarela. A casa tem um telhado de palha e janelas abertas, com detalhes em vermelho visíveis na parte interna. A cena é vibrante, cheia de pessoas ao fundo, algumas usando óculos escuros e bonés brancos.
Pintura abstrata em tons de laranja e marrom, mostrando um homem com um rosto expressivo e uma expressão de esforço, equilibrando um objeto retangular sobre a cabeça, com contornos vagos.
Homem com cabelos cacheados usando óculos escuros, equilibrando uma maquete de casa em uma bandeja sobre a cabeça, em meio a uma multidão em um ambiente festivo, com várias pessoas e guarda-chuvas ao fundo.
Duas mulheres caminham em um ambiente urbano. Ambas vestem camisetas brancas com estampas coloridas com desenho de uma santa e shorts escuros. A mulher à direita carrega um cartaz pendurado no pescoço que diz "UFPA", “UEPA” e “UNAMA” em letras grandes, enquanto segura uma garrafinha de água. Ao fundo, um soldado em uniforme caminha em direção oposta, e um grupo de pessoas pode ser visto ao longe.
 Ícone de um crescente lunar com um sol estilizado no centro, apresentando uma combinação de formas suaves e linhas discretas

Osram ne nsoromma

significa "a lua e a estrela" e simboliza amor, fidelidade e harmonia

Pintura de um barco navegando em águas douradas sob um céu iluminado pelo sol, com uma figura solitária remando na embarcação.
Um pescador solitário em um barco de madeira remando tranquilamente em um rio durante o pôr do sol, com reflexos dourados na água e uma paisagem de silhuetas de árvores ao fundo.
Logotipo estilizado em preto e branco, composto por formas geométricas que se entrelaçam, criando um design simétrico e moderno. O símbolo tem uma aparência minimalista, com linhas retas e ângulos definidos, evocando uma sensação de robustez e contemporaneidade.

Hwemudua 

Símbolo da excelência, da perfeição 

Pintura que retrata uma paisagem rústica, com casas de madeira e um barco em um ambiente tranquilo, dominado por tons quentes de amarelo e laranja, sugerindo um pôr do sol ou iluminação suave.
detalhe da pintura, vê-se parte de uma casa com porta e janela
Casa de madeira sobre palafitas, situada à beira de um corpo d'água, com um telhado de metal e janelas amarelas, cercada por vegetação aquática e árvores ao fundo.
detalhe da pintura, vê-se um barco sobre às águas
Casa de madeira em palafitas à beira de um lago, cercada por vegetação densa e palmeiras. Uma rampa de madeira conecta a casa ao solo. Há uma canoa ancorada próximo à margem.
estrela de oito pontas com um círculo central, desenhada em linhas simples e escuras sobre fundo claro.

Nsoromma

Símbolo da fé, da lealdade e da honra de servir ao Ser Supremo. 

Pintura abstrata com tons quentes de laranja, amarelo e marrom, representando um pôr do sol refletido em uma superfície de água tranquila, com silhuetas de montanhas ao fundo.
Pôr do sol sobre um lago tranquilo, refletindo tons de laranja e rosa no céu, com silhuetas de árvores ao fundo.
Símbolo estilizado com linhas retas, formando a letra "S" em uma combinação de formas geométricas, predominando o preto sobre um fundo claro.

Nkyinkyim
significa "torcer" ou "torcer-se". é representado por um nó sem início ou fim, e simboliza a capacidade de se adaptar aos caminhos tortuosos da vida.

Pintura abstrata com formas onduladas em tons de laranja sobre um fundo escuro, criando um efeito visual dinâmico e fluido.
Um rio sinuoso de água marrom serpenteia por uma densa floresta verde, cercado por vegetação exuberante e montanhas ao fundo.
Vista aérea de um vasto ecossistema, onde rios sinuosos se entrelaçam entre áreas de vegetação densa e campos abertos, refletindo a diversidade natural da paisagem.
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Rapaz usando uma roupa leve e estampada, posando em frente a três pinturas de fundo amarelo, com uma árvore esboçada em uma das telas e formas florais em outra. O ambiente transmite uma sensação de calor e luz.

MAURICIO IGOR  (Belém-PA, 1995)

Licenciado em Artes Visuais pela Universidade Federal do Pará, mestre e doutorando em Processos Artísticos Contemporâneos pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Seu trabalho é focado em reflexões que envolvem racialidade, gênero, sexualidade e o cotidiano na região amazônica, a partir de um viés de descolonização. Tais processos se desdobram em fotografias, performances, vídeos, textos, intervenções, instalações e pinturas. Por meio destes, foi premiado no 40º Salão Arte Pará, em Belém; no XVI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia, Fundação Nacional de Artes; também foi vencedor do 9º Prêmio Aliança Francesa de Arte Contemporânea, em Florianópolis-SC, na qual foi premiado com realização de residência artística na Cité Internationale des Arts, em Paris-França. Também participou de exposições coletivas, como Dos Brasis, no Sesc Belenzinho e Encruzilhadas da arte afro-brasileira, no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

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Projeto selecionado pelo Edital de Artes Visuais – Lei Paulo Gustavo

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